18 de dezembro de 2012

Da Necessidade de uma Repartição Igualitária dos Prejuízos entre Administração Pública e Particulares Decorrentes das Modificações Contratuais Objetivas (art. 65, "d" da Lei 8.666/93)

De acordo com o art. 65, da Lei 8.666/93 que regula as contratações públicas brasileiras, o contrato administrativo pode ser alterado por ato unilateral do ente público contratante ou por um rol de situações anormais, supervenientes, alheias à vontade das partes, mas que obrigam a alteração do ajuste, previstas na alínea “d” do referido dispositivo.

Da redação do art. 65, alínea “d”, da Lei 8.666/93 é possível observar que esse dispositivo compreende, ao contrário das hipóteses de modificação unilateral, uma série de institutos que a despeito de determinarem a modificação do que fora inicialmente estabelecido no contrato não podem ser imputados à quaisquer das partes contratantes, constituindo-se, assim, em causas de modificação objetiva do contrato administrativo.[1]

Nessas hipóteses, em que nenhuma das partes é responsável pelo evento que deu causa à onerosidade excessiva do contrato, para que este tenha continuidade aplica-se a teoria da imprevisão.

A teoria da imprevisão, originariamente criada pela jurisprudência do Conselho de Estado Francês, baseia-se na idéia da manutenção eqüidade entre as partes que celebram o contrato e implica na necessidade de restabelecer a sua saúde financeira, prejudicada por circunstâncias supervenientes e imprevisíveis que tenham proporcionado verdadeira subversão da economia que rege a relação contratual.[2]

Na prática, isso significa que no advento de caso fortuito, força maior, alteração das circunstâncias ou quaisquer outros eventos de cunho imprevisível e anormal, alheio à vontade das partes contratantes, estas deveriam repartir igualmente os prejúizos decorrentes da necessidade imposta de modificação do contrato administrativo.

Em Portugal, nos termos do art. 314º, 1, alínea “b” os casos em que se aplica a teoria da imprevisão “conferem direito à modificação do contrato ou a uma compensação financeira, segundo critérios de equidade”.

Esse é o cerne das modificações objetivas que incidem sobre qualquer contrato: como elas não são de responsabilidade de quaisquer das partes, para que o ajuste tenha condições de continuar a ser executado, ambas as partes contribuem para os prejuízos decorrentes do fato danoso anormal, superveniente e imprevisível.

No Brasil, contudo, firmou-se na doutrina e na jurisprudência o peculiar entendimento de que a melhor interpretação para a alínea “d”, do art. 65, II, é a de que as conseqüências para todos esses institutos é o restabelecimento integral do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, tal como ocorre com o uso do poder de modificação unilateral do contrato, ainda que se admita que são institutos diferenciados.[3]

Isso significa que mesmo que nenhuma das partes contratantes tenha dado causa à modificação do contrato atingido por uma das hipóteses do art. 65, “d”, exatamente por ela decorrer de um evento anormal, superveninente e absolutamente imprevisível, a Administração Pública deve proporcionar o equilíbrio econômico financeiro do contrato, na sua integralidade.

Assim, o que se defende majoritariamente no Brasil é que tanto nas hipóteses em que a Administração voluntariamente der causa à modificação do contrato, como nas hipóteses de modificiação unilateral, quanto em qualquer outra hipóteses de alteração na execução do ajuste é o Poder Público que deve arcar integralmente com os prejuízos causados.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro justifica essa interpretação doutrinária em relação ao art. 65, “d” da Lei 8.666/93 e, conseqüentemente, a adoção de soluções idênticas tanto para o poder de modificação unilateral, como para os casos em que se aplica a teoria da imprevisão, com fundamento no disposto no art. 37, XXI, da Constituição da República de 1988, que exige que as contratações públicas mantenham o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. [4]

Assim, seria o fato de o particular constitucionalmente ter como garantia o equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo a razão pela qual ele nunca arcaria com quaisquer prejuízos não inclusos na álea empresarial.

Essa, contudo, não parece ser uma boa justificativa, caso contrário o art. 5º, III, da Lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004 que trata sobre as parcerias público-privadas no Brasil e determina a repartição igualitária dos prejuízos entre as partes nos casos de álea econômica extraordinária e também nas situações em que incide o fato do príncipe seria inconstitucional.

Na verdade, “equilíbrio econômico-financeiro” não é o instuto autônomo que ampara a indenzação integral pelo Poder Público ao particular em todas as hipóteses de modificação do contrato administrativo, ao contrário, nos termos do Direito Português, trata-se apenas de uma técnica por meio da qual restabelece-se a economia inicial do contrato, seja porque o ajuste fora alterado por meio do uso do modificação unilateral, seja em virtude de eventos anormais, imprevisíveis e alheios à vontade das partes.[5]

Sendo assim, a interpretação que deve ser conferida tanto ao art. 37, XXI, da CR/88, quanto ao art. 65, §6º da Lei 8.666/93 é que equilíbrio econômico-financeiro não é instituto autônomo, que fundamenta o dever de recompor a equação econômica inicialmente estabelecida entre as partes.

Na verdade, representa apenas a técnica pela qual se restabelece a saúde financeira do contrato, de modo que apresenta consequências diferenciadas quando decorrer do uso do poder de modificação unilateral, imputável unicamente ao ente público contratante ou, lado outro, quando decorrer das causas de modificação objetiva do contrato.

Assim, nos casos em que se aplica a teoria da imprevisão, o equilíbrio econômico-financeiro, enquanto técnica, deve ser utilizado para restabelecer a equivalência das prestações, repartindo-se os prejuízos entre as partes, uma vez que nenhuma delas deu causa ao evento danoso que obrigou a alteração do ajuste.

E destaque-se que a própria Di Pietro reconhece que o cerne da teoria da imprevisão é que, se de um lado, “a ocorrência de circunstâncias excepcionais não libera o particular da obrigação de dar cumprimento ao contrato, por outro lado não é justo que ele responda sozinho pelos prejuízos sofridos (…)”.[6]

Diante do exposto, todas as vezes em que estiverem presentes os requisitos para a aplicação da teoria da imprevisão, quais sejam, que o prejuízo se funde num fato anormal, alheio ao comportamento das partes, imprevisto e imprevisível a ambos os contratantes e que onere demasiadamente a execução do ajuste, o contrato administrativo deve ser modificado e os prejuízos decorrentes de sua alteração devem ser repartidos entre ambos os contratantes, com base em critérios de igualdade.[7]

Isso porque na teoria da imprevisão, ao contrário do que ocorre como decorrência do poder de modificação unilateral do contrato, a indenização não tem o cunho de recompor a saúde financeira integral do contrato administrativo, mas apenas de repartir os prejuízos entre as partes.

Certo é que se nenhuma delas era capaz de prever o evento superveniente que obrigaria a modificação do contrato, não se pode atribuir a qualquer das partes a responsabilidade integral pela sua recomposição financeira, sendo justa a solução dada desde a criação do instituto pelo Conselho de Estado francês que permite a partilha dos prejuízos.



Marcela Campos Jabôr
marcelajabor@gmail.com




[1] JABÔR, Marcela Campos. As Garantias dos Particulares Co-Contratantes nas hipóteses de modificação do Contrato Administrativo: em especial os casos de modificação unilateral, fato do príncipe e teoria da imprevisão. Lisboa (PT), 2012. Dissertação de Mestrado (Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas, especialidade em Direito Administrativo – Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Orientação: Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa.


[2]GOMES, Carla Amado. Risco e Modificação do Acto Autorizativo Concretizador de Direitos de Proteção do Ambiente. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 692.


[3] MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 15. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 238.


[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 287.


[5] JABÔR, Marcela Campos. As Garantias dos Particulares Co-Contratantes nas hipóteses de modificação do Contrato Administrativo: em especial os casos de modificação unilateral, fato do príncipe e teoria da imprevisão. Lisboa (PT), 2012. Dissertação de Mestrado (Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas, especialidade em Direito Administrativo – Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Orientação: Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa.


[6] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 287.


[7] Esses requisitos são unânimes na doutrina. Confira-se, como exemplo: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 653-654.