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Compreender o Direito promovendo negócios.

25 de agosto de 2013

O Médico Estrangeiro - Direito Internacional ou Interno?

Considerando a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) proposta pelo Conselho Federal de Medicina, bem como a resposta do Ministério da Saúde à tal ação, no sentido de que as leis internacionais devem ser levadas em conta, considero útil o esclarecimento sobre o assunto, livre de tendências políticas, especialmente para os médicos que pensam em vir para o Brasil pelo novo programa voltado a estes profissionais.

Primeiramente, importa salientar que os acordos internacionais não envolvem apenas o executivo, mas também o legislativo (conforme art. 49, I da CF), concedendo o poder de celebrar tratados ao presidente, mas apenas mediante referendo do Legislativo, podendo ser submetido ao controle do judiciário, o qual poderá analisar a constitucionalidade.

Assim, o tratado deverá estar de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, tendo passado por uma série de etapas legais para que comece a gerar seus efeitos. Diante disso, mesmo que tenha havido qualquer negociação internacional para minimizar as exigências do exercício da medicina por estrangeiros, deveria ter passado pelo crivo do legislativo, o que não ocorreu.

Apenas, esclarece-se que o novo programa denominado “Mais Médicos” está erigido sob uma Medida Provisória, a qual possui força de lei. O problema é que a Medida Provisória somente pode ser utilizada em casos de urgência e relevância, como em calamidades públicas, o que evidentemente, não é o caso em tela. Logo, a constitucionalidade do programa está afetada, principlamente, por esse motivo, afora a questão emblemática causada pelo convênio com Cuba.

Logo, não há permissivo legítimo que conceda a profissionais de se absterem à legislação que hoje rege o trabalho de estrangeiros no Brasil. Ainda, observa-se que, em se tratando de direito internacional, não há qualquer tratado sobre o tema específico que exima trabalhadores estrangeiros de entrarem no Brasil sem visto de trabalho, sendo que somente existe uma certa flexibilização para os profissionais do Mercosul.

Tendo, portanto, a MP 621 sido elaborada em momento inoportuno, eis que não existem exceções para ensejar a necessidade da medida, continuam valendo para o caso de médicos estrangeiros, as leis nº 9394/1996nº 3268/1957.

A primeira se refere à Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a qual impõe a obrigatoriedade de revalidação de diplomas obtidos em universidades estrangeiras. A segunda é atinente à regulamentação da profissão de médico no Brasil, tendo preconizado a obrigatoriedade de inscrição no Conselho Regional de Medicina, necessitando, então, o médico estrangeiro fornecer: diploma de médico emitido no exterior devidamente revalidado por uma Universidade Pública Brasileira, conforme estabelece a Lei nº 9394/1996; tradução juramentada do diploma; certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros (CELPEBRAS), expedido por universidade pública brasileira, nível Intermediário Superior, conforme Resolução CFM nº 1831/2008; Cédula de Identidade de Estrangeiro – visto permanente, ou deferimento de sua permanência, mediante publicação no Diário Oficial da União; ou possuir visto provisório advindo de um dos países-membros do MERCOSUL (Argentina, Uruguai e Paraguai) ou Chile e Bolívia, conforme Despacho CFM nº 132/2011; cópia autenticada do CPF; Comprovante de residência; três fotos 3x4.

Por fim, para os portugueses que se questionam a respeito do Acordo sobre Educação firmado em 2000, na prática, tanto Portugal quanto Brasil continuam exigindo a revalidação para os médicos, o que já não ocorre em outras profissões, onde o estrangeiro deve apenas se cadastrar na sua respectiva ordem profissional. No Brasil, os portugueses deverão realizar o procedimento acima descrito, enquanto, em Portugal, o processo de revalidação é realizado por conselhos científicos de universidades com cursos de medicina, que se encarregam de analisar o currículo da instituição de origem do candidato e verificar se ele tem a mesma qualidade de formação que os médicos locais, sendo que, geralmente, devem cursar uma complementação de currículo.

Diante disso, a sugestão é, para os médicos que queiram vir ao Brasil, fazerem seus registros de forma usual, obedecendo a lei interna brasileira, eis que terão a garantia jurídica de que poderão exercer livremente a medicina.

Caroline Costa Coelho.

2 de julho de 2013

O BIG BROTHER CORPORATIVO – Saiba sobre o monitoramento de correio eletrônico realizado no ambiente corporativo

Em tempos de "Big Brother", a realização de monitoramento eletrônico das contas de e-mail corporativo torna-se alvo de muitas discussões. Diante deste cenário, é importante apontar quais os fundamentos jurídicos que permitem a realização do monitoramento e até que ponto ele é permitido.

Ao proteger o direito à propriedade, a Constituição Federal garante ao empregador, proprietário da estrutura tecnológica da empresa e, portanto, dono dos computadores, do acesso à internet e das contas de e-mail corporativo proporcionadas aos empregados para a execução de suas atividades profissionais, o direito a fiscalizar a sua utilização.

Por sua vez, a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei n° 5452/43) em seu art.  em seu art. 2º, garante ao empregador o Poder Diretivo, através do qual “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”.

O poder de direção consiste na faculdade do empregador de organizar a execução da atividade laboral dos empregados. É doutrinariamente dividido em três aspectos, quais sejam, o poder disciplinar, o poder regulamentar e o poder de fiscalização, o qual compreende o monitoramento de correio eletrônico.

Ainda, quanto aos outros fundamentos jurídicos que possibilitam a adoção da prática do monitoramento de correio eletrônico corporativo no ordenamento jurídico, temos o disposto no Código Civil Brasileiro acerca da responsabilidade civil em seus arts. 186, 187, 927 e 932, III e que impõem responsabilidade objetiva do empregados pelos atos de seus empregados.

Todos esses argumentos servem para consolidar a possibilidade de os empregadores estabelecerem práticas de segurança e controle quanto a seus sistemas de informação, utilização de internet e correio eletrônico corporativo fornecidos a seus empregados para realização de suas respectivas tarefas profissionais.

Em contrapartida, em respeito ao direito à privacidade e à intimidade do trabalhador, o empregador deverá abster-se de monitorar o conteúdo de mensagens enviadas ou recebidas através de contas de correio eletrônico particulares, pois estas sim, estão protegidas juridicamente contra as invasões arbitrárias. Para que sejam evitados problemas no âmbito corporativo em relação a tais contas de correio eletrônico particulares, é recomendável que o acesso a esse tipo de serviço seja bloqueado.

No Brasil, observa-se um posicionamento firmado pela jurisprudência trabalhista no sentido de proteger a privacidade de mensagens e contas de correio eletrônico particulares. Podendo o empregador tão somente monitorar as contas de e-mail corporativo, por ter este recurso natureza de ferramenta de trabalho, como podemos observar na decisão do TST citada:

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO
PROVA ILÍCITA – E-MAIL CORPORATIVO – JUSTA CAUSA – DIVULGAÇÃO DE MATERIAL PORNOGRÁFICO
1. Os sacrossantos direitos do cidadão à privacidade e ao sigilo de correspondência, constitucionalmente assegurados, concernem à comunicação estritamente pessoal, ainda que virtual (e-mail particular). Assim, apenas o e-mail pessoal ou particular do empregado, socorrendo-se de provedor próprio, desfruta da proteção constitucional e legal de inviolabilidade. 2. Solução diversa impõe-se em se tratando do chamado e-mail corporativo, instrumento de comunicação virtual mediante o qual o empregado louva-se de terminal de computador e de provedor da empresa, bem assim do próprio endereço eletrônico que lhe é disponibilizado igualmente pela empresa. (TST RR 613/00.7 – 1ª T. – Rel. Min. João Oreste Dalazen – DJU 10.06.2005) (grifos nossos)

Para que haja a possibilidade de monitoramento de correio eletrônico profissional, o empregador ainda deverá certificar-se de que os empregados estão cientes da prática. Este requisito é essencial para que o monitoramento seja considerado válido.

Nesse sentido, as regras do jogo devem ser claras, as partes envolvidas devem estar cientes do monitoramento e da possibilidade de suas comunicações eletrônicas estarem sendo observadas. Devem estar cientes do alcance das suas permissões e também dos limites impostos por suas proibições.

Portanto, uma solução eficaz adotada por diversas empresas no âmbito da utilização de recursos tecnológicos é a adoção de um Regulamento Interno de Segurança da Informação, que disciplina e regula a utilização de recursos tecnológicos dentro do ambiente corporativo.


Por: Lígia Saraiva Barroso


13 de junho de 2013

EXPLORAÇÃO DE INSTALAÇÕES PORTUÁRIAS MEDIANTE MERA AUTORIZAÇÃO: UMA DISCUSSÃO A RESPEITO DA CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 8º DA LEI 12.815, DE 05 de junho de 2013

A Lei 12.813 de 05 de junho de 2013 decorre da conversão em Lei da Medida Provisória nº 595, de 2012, e discorre a exploração privada dos portos brasileiros e consolida a concessão e autorização como formas de delegação da execução desse tipo de serviço público, pela União. 

É importante lembrar que a União, no seu art. 21 permite que a exploração dos portos marítimos, fluviais ou lacustres ocorra, se indiretamente, por meio de autorização, concessão ou permissão:
Art. 21. Compete à União:

XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

(…)

f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;

Considerando essas três possibilidades de vínculo entre a Administração Pública e particulares na exploração de portos, a Lei 12.815/2013 positivou, no seu art. 8º que as instalações portuárias serão exploradas mediante autorização:
Lei 12.815 de 5 de junho de 2013

Art. 8o Serão exploradas mediante autorização, precedida de chamada ou anúncio públicos e, quando for o caso, processo seletivo público, as instalações portuárias localizadas fora da área do porto organizado, compreendendo as seguintes modalidades:

I - terminal de uso privado;

II - estação de transbordo de carga;

III - instalação portuária pública de pequeno porte;

IV - instalação portuária de turismo;

V - (VETADO).

§ 1o A autorização será formalizada por meio de contrato de adesão, que conterá as cláusulas essenciais previstas no caput do art. 5o, com exceção daquelas previstas em seus incisos IV e VIII.

§ 2o A autorização de instalação portuária terá prazo de até 25 (vinte e cinco) anos, prorrogável por períodos sucessivos, desde que:

I - a atividade portuária seja mantida; e

II - o autorizatário promova os investimentos necessários para a expansão e modernização das instalações portuárias, na forma do regulamento.

§ 3o A Antaq adotará as medidas para assegurar o cumprimento dos cronogramas de investimento previstos nas autorizações e poderá exigir garantias ou aplicar sanções, inclusive a cassação da autorização.

§ 4o (VETADO).

Contudo, nunca é demais lembrar que a autorização é “ato unilateral pelo qual a Administração, discricionariamente, faculta o exercício de atividade material, tendo, como regra, caráter precário, é o caso da autorização para exploração de jazida mineral” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 444).

A par das discussões a respeito da constitucionalidade formal da lei ora em foco, isto é, se a medida provisória que a originou preenche os pressupostos do art. 62 da nossa Constituição, o que mais chama atenção aqui é a inconstitucionalidade material da referida norma.

Ora, apesar de a Constituição brasileira permitir a exploração de portos mediante autorização, não se pode olvidar que este ato unilateral e precário é destinado somente ao exercício de atividade material. 
A meu ver, não me parece que ”instalações portuárias”, isto é, toda a infraestrutura comercial e até turística dos portos brasileiros se enquadrem no objeto permitido pelo Direito Administrativo para uma mera autorização. Seria o caso, portanto, de necessidade de se exigir a contratação por meio de permissão e concessão, o que, nos termos do art. 175 da CF exige prévia licitação,

Esta autora, confessa, contudo, que é necessário estudar mais a fundo o cerne da atividade portuária, de modo a verificar de maneira científica a constitucionalidade do mencionado art. 8º.

Contudo, com o compromisso, por hora, apenas de colocar em foco o problema da (in) constitucionalidade material da nova lei dos portos, fica aqui exposta a primeira visão que, à luz do Direito Administrativo, torna o art. 8º da Lei 12.815/13 inconstitucional, por violação ao disposto no art. 175 da Constituição que obriga a realização de licitações para concessões e permissões públicas, o que parece ser a modalidade correta para o objeto art. 8º.

Dúvidas ou críticas, envie um e-mail para marcelajabor@gmail.com



Marcela Jabôr

7 de junho de 2013

Por que registrar a sua marca?

O crescimento da economia brasileira, com a abertura de novas oportunidades, traz à tona questões interessantes sobre como proteger o patrimônio imaterial do seu negócio.

A marca é constituída por um sinal que identifica e individualiza os produtos ou serviços de determinada empresa, distinguindo-os dos produtos ou serviços dos seus concorrentes. Diante dessa função fundamental da marca, imprescindível proceder ao registro, uma vez que através dele, o titular da marca detém os meios jurídicos para protegê-la em casos de violação.

1) O que é marca?
Marca pode ser definida como um sinal que individualiza os produtos ou serviços de uma determinada empresa e os distingue dos produtos ou serviços de seus concorrentes. Nesse sentido, o caráter distintivo da marca é fundamental para o cumprimento da sua função de identificação. Assim, a marca deve ter a capacidade de distinguir objetivamente os produtos/serviços que assinalam, sendo vedados os registros de sinais desprovidos dessa capacidade. Essa proibição se dá também pelo fato de que há o interesse de que sinais genéricos ou de uso comum não sejam expropriados do patrimônio público. 


2) Vantagens do registro
O registro de uma marca perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) dá ao seu titular o direito de uso exclusivo para os produtos ou serviços abrangidos pela marca registrada dentro do território nacional. Assim, o titular da marca pode impedir o uso não autorizado da marca registrada, permite o combate às imitações da marca. 

Portanto, o registro da marca garante ao seu titular o direito de exploração comercial da marca, o direito de impedir que terceiros imitem, reproduzam, importem, vendam ou distribuam produtos com sua marca sem sua autorização.

Além disso, é importante observar que uma vez registrada, a marca torna-se ativo da empresa, agregando valor, mas ao mesmo tempo constituindo um título, dissociado da empresa, podendo ser licenciada, através de franquias, por exemplo, ou mesmo vendida.


3) Natureza da marca
Antes de ingressar com o pedido de registro da marca, importa identificar a natureza da marca, a que ela se aplica, nesse sentido, a legislação brasileira prevê 4 naturezas distintas para as marcas, quais sejam: marca de produto, marca de serviço, marca coletiva e marca de certificação. 



a) Marca de produto: busca distinguir produtos de outros idênticos, semelhantes ou afins.
b) Marca de serviço: visa distinguir serviços de outros idênticos, semelhantes ou afins.
c) Marca coletiva: objetiva identificar produtos ou serviços provenientes de membros de um determinado grupo ou entidade.
d) Marca de certificação: atesta a conformidade de produtos ou serviços a determinadas normas ou especificações técnicas.


4) Formas de apresentação da marca
Ainda, além da natureza da marca, há ainda a identificação de sua forma de apresentação, que pode ser: nominativa, mista, figurativa ou tridimensional. 



a) Nominativa: é formada por sinal constituído apenas por palavras, ou combinação de letras e/ou algarismos, sem apresentação fantasiosa.
b) Mista: Sinal que combina elementos nominativos e figurativos
c) Figurativa: Sinal constituído por desenho, imagem, formas fantasiosas em geral
d) Tridimensional: Sinal constituído pela forma plástica distintiva e necessariamente incomum do produto.


5) Classes
Quando o usuário for fazer o seu pedido de marcas, ele precisa indicar quais produtos ou serviços aquela marca visa proteger. O INPI utiliza a Classificação Internacional de Produtos e Serviços de Nice, que possui uma lista de 45 classes com informação sobre os diversos tipos de produtos e serviços e o que pertence a cada classe.

O sistema de classificação é dividido entre produtos que estão nas classes 1-34 e serviços que estão nas classes 35-45. É importante saber que as classes não incluem todos os tipos de produtos e serviços que existem. Por isso, o INPI criou listas de apoio, que são as Listas Auxiliares. 

Com isso, o direito exclusivo conferido pelo registro da marca será válido para os produtos ou serviços registrados sob as classificações indicadas. Nesse sentido, cumpre observar que podem coexistir marcas idênticas no sistema de registro brasileiro, entretanto, essa possibilidade só se dá quando as marcas registradas pertencem a classes diferentes.


Duas observações importantes!

Marcas registradas no Brasil e consideradas de "Alto Renome" possuem proteção legal privilegiada, no sentido de que têm a sua proteção vigente para todos os ramos de atividades.

Uma outra categoria de proteção especial refere-se às marcas "Notoriamente Conhecidas", que gozam de proteção especial, independentemente de registro no Brasil, e no seus ramos de atividade. como é o caso de marcas como a Coca-cola, a Pepsi, dentre outras.


6) Custos
Os custos que envolvem o registro de uma marca no Brasil podem variar, uma vez que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial possui valores de retribuições diferenciados para microempresários. 

Além disso, os processos de registro de marcas podem tramitar diferentemente, podendo ocorrer intervenções de terceiros, tais como oposições, o que dificulta precisar os custos de registro.
Para consultar a tabela de retribuições do INPI, acesse: http://www.inpi.gov.br/images/stories/Tabela_Retribuicao_2012_DIRMA.pdf


7) Prazos
Não existe um prazo uniforme para o deferimento de um pedido de registro de marca junto ao INPI. Em média, estes processos duram entre 18 a 24 meses, sendo que uma vez protocolado o pedido, já há prioridade garantida. 

Por: Lígia Saraiva Barroso
ligiabarroso@sbarrosoadvocacia.com

Fonte: www.inpi.gov.br

23 de maio de 2013

Os Privilégios Diplomáticos, em especial a Inviolabilidade.



O presente artigo analisa os privilégios diplomáticos conferidos pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, tendo em vista a relevância gerada em torno do assunto à luz dos acontecimentos narrados e publicizados pelo site "WikiLeaks".

A referida convenção confere inúmeros privilégios aos agentes diplomáticos, dos quais se inicia a análise pelo privilégio da livre comunicação para todos os fins da missão, disposto no artigo 27.1 da CVRD, que consiste na proteção da comunicação oficial da missão, através da conferência de liberdade para tratar dos assuntos que entender necessários. A livre e secreta comunicação entre uma missão diplomática e seu governo é provavelmente, do ponto de vista de seu efetivo e diário funcionamento, o mais importante dos privilégios e imunidades concedidos pela legislação diplomática internacional. Isto porque, sem este direito, a missão não conseguiria cumprir efetivamente duas de suas mais importantes funções: negociar com o governo do Estado acreditado e reportar ao Estado acreditador as condições e o desenvolvimento da missão no Estado acreditado.[i]

Em seguida, temos o privilégio de uso da bandeira e do escudo nacionais pelos agentes e pela missão. Regulado pelo artigo 20 da CVRD, este é um direito tradicionalmente reconhecido pela prática internacional, mas que confere à missão o direito de exposição livre da bandeira somente dentro dos locais da missão, enquanto que a exposição da bandeira e do escudo nacional em via pública deve obedecer às normas relativas ao uso destes símbolos no Estado acreditado.[ii]

Outro privilégio é a obrigação ao Estado acreditado para que facilite o exercício das atividades e funções da missão. Este privilégio decorre da inviolabilidade, que estudaremos em breve, e de acordo com os termos do artigo 25 da CVRD, o Estado acreditado deve garantir que a missão tenha facilidades na obtenção de acomodação, bem como deve conceder privilégios quanto a vagas de estacionamento e não deve criar obstáculos para a plena execução das atividades da missão. Trata-se puramente de um privilégio baseado em cortesias.

Ainda, a CVRD concede o privilégio da isenção de direitos fiscais e direitos aduaneiros aos agentes e às missões. O artigo 34 da CVRD dispõe que os agentes diplomáticos estão isentos, nos países onde se acham acreditados, do pagamento dos seguintes impostos: 1º) impostos pessoais diretos, isto é, os que incidem diretamente sobre o contribuinte e deste passam diretamente à repartição arrecadadora; 2º) impostos que incidem sobre o edifício da legação ou embaixada, quando o mesmo pertença ao Estado estrangeiro. Devem pagar, entretanto: 1º) os impostos indiretos, que incidem sobre objetos de consumo comprados no país onde o agente se acha acreditado; 2º) os impostos reais sobre os imóveis possuídos pelo agente diplomático no dito país; 3º) os impostos que representam o caráter de remuneração de serviços.[iii]

Verifica-se que essas exceções respeitam quase que exclusivamente aos impostos que incidem sobre bens, rendimentos e aplicação de capitais privados do agente, o que constitui uma clara demarcação entre a atividade oficial e a privada do agente e reflete o principio segundo o qual os privilégios não são concedidos para beneficio pessoal do agente e sim para o cumprimento de suas funções.[iv]

Quanto aos direitos aduaneiros, o artigo 36 da CVRD dispensa os agentes diplomáticos do pagamento destes sobre os objetos destinados ao uso oficial das missões, ou ao uso pessoal dos próprios agentes ou das respectivas famílias.[v] Este privilégio aplica-se apenas quando a missão ou o diplomata importar um artigo diretamente do exterior. Quando a compra é feita no comércio local, as taxas aduaneiras já incluídas em um item importado são consideradas como indiretas, do tipo que são normalmente incorporadas no preço do produto ou serviço e, de acordo com o artigo 34 (a) não são objeto de isenção.[vi]

Quanto a este assunto, pode-se levantar uma questão acerca da inspeção da bagagem do diplomata[vii], eis que este pode nela transportar artigos que não estejam abrangidos por esta norma de isenção. Neste sentido, a CVRD, em seu artigo 36.2 dita a regra geral de que a bagagem não deve ser inspecionada a não ser que apresente séria e fundamentada suspeita de que nela estão sendo transportados objetos não isentos. Se for o caso de inspeção, a bagagem somente será inspecionada na presença do agente ou se seu representante[viii].

Por conseguinte, há o privilégio da isenção de prestação de seguro social que, previsto no artigo 33 da CVRD, aplica-se tanto ao agente, quanto aos seus criados particulares, desde que não sejam estes nacionais do Estado acreditado ou nele tenham residência permanente, estando então protegidos pela legislação vigente no Estado acreditado sobre o assunto.[ix]

Confere-se também o privilégio da isenção de prestações pessoais, garantido pelo artigo 35 da CVRD, que visa isentar o agente de prestar obrigações de serviço militar e de serviço público, como, por exemplo, ser convocado a participação de júris; e também o privilégio da liberdade de circulação e de trânsito, estabelecido pelo artigo 26 da CVRD, que garante ao agente que possa livremente transitar pelo território do Estado acreditado, observando, entretanto, as restrições acerca de segurança nacional. Com tal privilégio, a CVRD pretende permitir ao agente o livre exercício de suas funções no território do Estado acreditado, porém sempre em respeito às normas de segurança e defesa nacionais deste Estado.[x]

Derradeiramente, temos o privilégio da inviolabilidade, que consiste no status conferido aos locais, pessoas e propriedades físicas presentes no território de um Estado soberano que não estão sujeitos à sua jurisdição, que imporá a este o dever de abster-se de exercer seus direitos de soberania, em especial os coercitivos, em detrimento daqueles,[xi] além de conferir ao Estado acreditado a incumbência de tomar todas as medidas necessárias para proteger e prevenir eventuais danos que poderiam ser causados aos locais, pessoas e propriedades físicas por terceiros de má-fé.[xii]

Ou seja, a inviolabilidade é tanto um direito, em relação aos membros da missão, quanto um dever, em relação ao Estado. Tal dever manifestar-se-á em duas facetas, quais sejam a obrigação garantir que seus agentes não adentrem o perímetro do local, nem mesmo por razões oficiais; e a necessidade de tomar todas as medidas cabíveis para a proteção contra invasões, danos ou atos que possam abalar a paz da missão ou sua dignidade.[xiii]

Sendo a inviolabilidade reconhecida à missão diplomática, que será composta pelos locais, arquivos, documentos, correspondência, mala diplomática e membros da missão, sejam eles o agente, seus familiares e os empregados da missão,[xiv] esta apresentará características distintas em cada caso, cabendo ser estudada sob dois enfoques: a inviolabilidade pessoal do agente diplomático e a inviolabilidade dos locais da missão.

A inviolabilidade pessoal do agente diplomático se encontra disposta no artigo 29 da CVRD: “A pessoa do agente diplomático é inviolável. Não poderá ser objeto de nenhuma forma de detenção ou prisão. O Estado acreditado tratá-lo-á com o devido respeito e adotará todas as medidas adequadas para impedir qualquer ofensa à sua pessoa, liberdade ou dignidade.”[xv]

Os privilégios não se aplicam apenas aos agentes chefes de missão, mas também a todos os funcionários oficiais da mesma, aos membros de suas famílias que residam sob o mesmo teto, e também ao pessoal não oficial, contanto que não sejam da nacionalidade do Estado onde a missão se acha acreditada, ou nele tenha residência permanente, conforme excetua o artigo 37 da CVRD. Estendem-se também à residência oficial e particular, seus carros, sua correspondência e seus papéis[xvi]; bem como à sua residência e seus bens pessoais, conforme o artigo 30 da CVRD.

Entretanto, a inviolabilidade pessoal não deve ser considerada como um privilégio absoluto. Isto é, se um agente diplomático pratica atos que afrontam a ordem pública ou a segurança do Estado onde se encontra acreditado, que este considere indesejável ou inconveniente a sua permanência no país, tal Estado pode exigir sua retirada e até, em casos nos quais a medida se imponha, fazer cercar sua residência. Contudo, não deverá prender o agente diplomático. Muito excepcionalmente, se mesmo com o pedido de retirada, o agente não é retirado do Estado acreditado pelo seu governo ou não se retira voluntariamente, o Estado acreditado poderá expulsá-lo, fundamentando as razões de tal ato.[xvii]

Ainda, deve ser considerada como propriedade do agente diplomático a sua conta bancária e, assim sendo, é resguardada pela inviolabilidade conferida pelo artigo 30 da CVRD, entretanto não é isenta da fiscalização do Estado acreditado no que tange às normas de remessas internacionais.[xviii]

De acordo com o que já foi dito, os familiares do agente também são beneficiados com o privilégio da inviolabilidade, nos termos do artigo 37 da CVRD, que equipara-os ao agente diplomático, porém desde que observem os requisitos constantes no referido artigo, quais sejam: viverem com o agente e não serem nacionais do Estado acreditado.[xix]

Algumas controvérsias podem ser levantadas acerca do caso de morte do agente e o termo dos privilégios concedidos aos seus familiares. A CVRD refere que estes duram por um ''período razoável'' após a morte, entretanto, tal limite não possui interpretação legal consensual. A autora defende que cabe ao Estado acreditado prever qual é o tempo mais apropriado (na Suíça, este período é de 6 meses, enquanto que na Venezuela é de apenas 1 mês), bem como que se deve analisar também as funções exercidas pelo diplomata. Quanto maior o grau de importância de sua missão, maior deve ser o período de proteção.[xx]

Cabe ressaltar que, no mesmo sentido, apesar de não ser mencionado na CVRD nada acerca do caso de término da relação parental ou de serventia, como por exemplo o divórcio ou a demissão, é possível interpretarmos, ora que por analogia, que não caberá o privilégio do ''período razoável'' a estas pessoas, eis que a proteção aplica-se a estes tão somente em razão da morte do agente diplomático, então nada mais coerente que levantar tais privilégios quando a relação entre o agente e seus familiares ou criados tiver fim.[xxi]

Além da inviolabilidade pessoal do agente, as mesmas prerrogativas são concedidas aos locais da missão, conforme se verifica no artigo 22 da CVRD, exigindo certos deveres do Estado acreditado, que deve garantir que os locais da missão não sejam invadidos ou sofram qualquer tipo de interferência em suas atividades; não permitir a penetração de agentes do Estado acreditado no interior da missão, mesmo em casos de emergência dentro da missão, eis que qualquer agente do Estado acreditado deve aguardar o consentimento do chefe de missão para então adentrar a embaixada ou consulado; e abster-se de fazer busca, requisição e promover embargos ou medidas executórias nos locais da missão, já que a inviolabilidade dos locais da missão estende sua proteção a todos os atos que poderiam ser determinados judicialmente em seu desfavor, proibindo assim qualquer busca, requisição e embargos ou medidas executórias sobre os bens, tanto mobiliário quanto meios de transporte presentes nos locais da missão.

Um ponto controvertido acerca da inviolabilidade dos locais da missão diz respeito ao Droit de Chapelle, que foi considerado durante a preparação da CVRD e consiste no direito da missão de manter no seu interior uma capela e de praticar a fé do chefe da missão.

Este privilégio costumava ser mencionado em acordos diplomáticos anteriores à CVRD em separado da noção de inviolabilidade dos locais da missão, sem dúvidas porque conferia ao pessoal da missão um direito substantivo de promover atividades que poderiam estar em desacordo com a lei do Estado acreditado, violando assim o artigo 41 da Convenção de Viena, que impõe a todos os gozadores dos privilégios e imunidades que respeitem as leis e regulamentos do Estado acreditado.[xxii]

Em razão desta controvérsia, a Comissão de Direito Internacional pronunciou que: ''A inviolabilidade dos locais da missão indubitavelmente inclui a liberdade privada de crença, e atualmente dificilmente sera sustentado que o chefe da missão e sua família, junto com todos os membros da missão e seus familiares, não possam exercer este direito, e que os locais da missão possam conter uma capela para este propósito. Entretanto, não foi necessário inserir uma proposição neste sentido no documento (a CVRD)''.[xxiii]

Apesar do efeito desta declaração, a Convenção somente se manifesta quanto a este assunto no artigo 22, o qual nada dispõe expressamente sobre o Droit de Chapelle, não conferindo nenhuma isenção de proibições impostas pelas leis do Estado acreditado; e também pelo artigo 41 que determina que as pessoas gozando de imunidades e privilégios respeitem as leis do Estado acreditado.

Ainda, consideram-se locais da missão todos os bens móveis, arquivos e documentos da missão, onde quer que estes estejam localizados.[xxiv] Tal privilégio acaba por expandir a inviolabilidade de tais bens para não somente no perímetro dos locais da missão como também para quando estes estiverem sendo transportados. Também titulares de inviolabilidade são o correio diplomático e seu transportador, quando não for um órgão oficial do Estado acreditado, como refere o artigo 27.2 da CVRD, possuindo dois aspectos de proteção: é ilegal que a correspondência seja aberta pelas autoridades do Estado acreditado, bem como que tal documentação seja utilizada como prova em tribunais do Estado acreditado.[xxv]

Neste sentido, após tudo exposto, verifica-se que existem muitos privilégios conferidos aos agentes e à própria missão diplomática e, é nesta realidade que se pode entender porque existe tamanha polêmica acerca das práticas do Sr. Julian Assange à frente do WikiLeaks, tendo em vista que a publicização de informações secretas trocadas entre membros de missões diplomáticas, nos termos da CVRD, deve ser privada e sua proteção é obrigação não só para os agentes, como também para o Estado acreditado.


Daphne Constantinopolos
constantinopolos@gmail.com




[i]               DENZA, Eileen. Diplomatic Law: Commentary on the Vienna Convention on Diplomatic Relations. Oxford, 1998. Claredon Press. 2ª edição. ps. 173 – 174.
[ii]              BRITO, Wladimir. Direito Diplomático. Lisboa, 2007. Ministério dos Negócios Estrangeiros. 1ª edição. ps. 68 – 73.
[iii]              ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. Editora Saraiva. 11ª Edição. São Paulo, 1982. ps. 104 – 105.
[iv]              BRITO, Wladimir. Direito Diplomático. Lisboa, 2007. Ministério dos Negócios Estrangeiros. 1ª edição. ps. 68 – 73.
[v]              ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. Editora Saraiva. 11ª Edição. São Paulo, 1982. ps. 104 – 105.
[vi]              DENZA, Eileen. Diplomatic Law: Commentary on the Vienna Convention on Diplomatic Relations. Oxford, 1998. Claredon Press. 2ª edição. p. 316 – 317.
[vii]             Necessário referir que a bagagem do diplomata não deve ser confundida com a mala diplomática. A bagagem é de cunho pessoal, portada pelo diplomata em viagens; a mala diplomática é aquela usada para transporte de bens e artigos relacionados com a missão.
[viii]            BRITO, Wladimir. Direito Diplomático. Lisboa, 2007. Ministério dos Negócios Estrangeiros. 1ª edição. ps. 68 – 73.
[ix]              DENZA, Eileen. Diplomatic Law: Commentary on the Vienna Convention on Diplomatic Relations. Oxford, 1998. Claredon Press. 2ª edição. ps. 289 – 292.
[x]              BRITO, Wladimir. Direito Diplomático. Lisboa, 2007. Ministério dos Negócios Estrangeiros. 1ª edição. ps. 68 – 73.
[xi]              DENZA, Eileen. Diplomatic Law: Commentary on the Vienna Convention on Diplomatic Relations. Oxford, 1998. Claredon Press. 2ª edição. p. 112.
[xii]             DIHN, Nguyen Quoc, DAILLIER, Patrick e PELLET, Alain. Droit International Public. L.G.D.J. Paris, 2002. p. 750.
[xiii]            GARDINER, Richard K. International Law. Pearson Longman. Londres, 2003. p. 352.
[xiv]            RUIZ, José Juste e DAUDÍ, Mireya Castillo. Derecho Internacional Público. Punto y Coma. Valencia, 2002. p. 218.
[xv]             Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, Artigo 29. 1964.
[xvi]            ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. Editora Saraiva. 11ª Edição. São Paulo, 1982. ps. 104 – 105.
[xvii]            Ibid. ps. 104 – 105.
[xviii]           DENZA, Eileen. Diplomatic Law: Commentary on the Vienna Convention on Diplomatic Relations. Oxford, 1998. Claredon Press. 2ª edição. p. 227.
[xix]            Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, Artigo 37. 1964.
[xx]             Ibid. ps. 359 – 360.
[xxi]            Ibid. p. 361
[xxii]            Ibid. ps. 119 – 120.
[xxiii]           Ibid. ps. 119 – 120.
[xxiv]           Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, Artigo 24. 1964.
[xxv]            Ibid. ps. 183 – 184.