A TUTELA LEGAL DA RESPONSABILIDADE
CIVIL DOS PROVEDORES DE ACESSO À INTERNET
Em relação aos provedores de
acesso à Internet, enquanto prestadores de serviços, temos que as relações
jurídicas estabelecidas entre eles e seus usuários em sua grande parte serão
relações de consumo.
Pela natureza das atividades
exercidas pelos provedores, é fundamental que se distingam as peculiaridades
entre as suas diferentes modalidades, pois aí reside o ponto nodal da tutela
normativa de responsabilidade civil sobre eles incidente.
O provedor de acesso garante aos
seus usuários o endereço IP necessário ao acesso à rede mundial de
computadores. Suas atividades enquanto provedor de acesso residem em
proporcionar as condições técnicas de acesso à rede, na quantidade e qualidade
acordadas no contrato de adesão ao serviço.
Também importante identificar
quando a responsabilidade pela reparação dos danos ocorrerá, por danos causados
aos usuários, levantando hipótese de responsabilidade civil contratual, ou, em
caso de envolvimento de terceiros, extracontratual ou aquiliana.
O microssistema de reparação civil
consumerista encontra fundamentos na chamada Teoria do Risco do Empreendimento,
sobre a qual leciona Sérgio Cavalieri:
[...] todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no campo do fornecimento de bens ou serviços tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento, independentemente de culpa. [...] A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar a atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços.[1]
Em suma, para se obter uma visão
geral sobre a tutela legal de reparação civil incidente sobre os provedores de
acesso à Internet enquanto prestadores de serviços, imperiosa a análise ante a
responsabilidade por seus atos próprios e por atos de terceiros.
A responsabilidade dos provedores
de acesso à Internet por seus atos próprios, enquanto prestadores de serviços
perante os seus usuários, responsabilidade contratual, reside na quebra do
instrumento contratual que firma a relação jurídica de consumo existente entre
o provedor de acesso enquanto fornecedor e o usuário enquanto consumidor.
Carlos Affonso Pereira de Souza discorre sobre a responsabilidade contratual
dos provedores de acesso:
[...] quando se trata de danos causados pelo provedor aos seus próprios usuários, em decorrência de descumprimento de contrato, evidentemente será ele responsável pelo danos advindos de sua conduta.[2]
A incidência de responsabilidade
civil sobre os provedores de acesso pelos seus próprios atos recai sobre estes
tal e qual ocorre com todos os outros prestadores de serviços, e é regida pelas
regras constantes no art. 14 do CDC.
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Em havendo estabelecido a
responsabilidade objetiva, a legislação garante que, em caso de danos causados
aos consumidores, independentemente de culpa ou dolo do fornecedor, este será
obrigado a indenizar, conforme observa-se nos ensinamentos de Leonardi:
[...] o provedor de acesso responde pelos danos causados ao usuário decorrentes da má prestação dos serviços, tais como nas hipóteses de falhas na conexão, de velocidade de transmissão de dados inferior à contratada, de interrupção total da conexão, de impossibilidade de conexão momentânea ou permanente a determinados web sites ou serviços da Internet de acesso livre, de queda da qualidade ou da velocidade de conexão em horários de maior utilização dos serviços, entre diversos outros.
Quanto à responsabilidade civil
dos provedores de acesso, Montenegro acrescenta que no âmbito da
responsabilidade civil, o provedor de acesso responde pelos danos que venha a
produzir por deficiência na prestação de seu serviço perante o usuário ou
terceiros. Nestes casos, deve-se indagar se ele explora suas atividades como
pessoa jurídica ou individualmente, para efeitos de aferição do regime de
responsabilidade aplicável, consoante as disposições constantes no CDC.[3]
Diante do exposto, nota-se que a
responsabilidade civil imposta aos provedores de acesso à rede mundial de
computadores é objetiva, sendo pautada nas regras constantes no CDC sobre
prestadores de serviço quando configurada a relação de consumo, e pelo Código
Civil quando não tratar-se de relação consumerista.
Em se tratando de responsabilidade
dos provedores de acesso por atos de terceiros, deve-se analisar a existência
de controle técnico sobre as atividades dos usuários, para então chegar-se à
conclusão sobre a configuração de nexo de causalidade que enseje a reparação
civil, conforme observa-se em Souza:
Para que seja analisada a responsabilidade dos provedores de acesso pela conduta de seus usuários no ambiente da Internet, faz-se necessário definir se existe um dever de monitoramento prévio, por parte do provedor, sobre os hábitos de navegação de seus usuários, visando à prevenção de eventuais danos.[4]
Como já mencionado anteriormente,
a obrigatoriedade de prestação da reparação civil tem como pressupostos na
existência de dano, na prática de um ato ilícito e na configuração de um nexo
de causalidade que una o dano e o ilícito praticado. Na responsabilidade civil
objetiva, mesmo quando determinada por lei, só restará configurada quando
provadas a existência do dano e do nexo de causalidade que ligue tal dano a ato
ilícito.
Nesse sentido, uma vez
restringindo-se as atividades do provedor de acesso ao mero fornecimento das
condições técnicas necessárias a garantir o acesso à grande rede a seus
usuários, sem controle prévio, sem monitoramento de qualquer natureza sobre a
navegação e as atividades de tais usuários, não está perfeito o nexo de
causalidade capaz de ligar o dano causado a terceiro à natureza fundamental das
atividades prestadas pelo provedor de acesso.
Pensar diferente seria admitir a
aplicação da Teoria da Equivalência das Condições, que prega a análise do nexo
causal seja feita de forma a considerar toda a cadeia do desenvolvimento dos
atos do evento danoso[5].
De forma que se poderia, por exemplo, responsabilizar o fabricante da arma de
fogo pelos ilícitos causados quando da sua utilização.
Portanto, inexistindo o nexo de
causalidade, inexiste a obrigação de reparação civil, conforme leciona
Leonardi:
Na maior parte dos casos, não há nexo de causalidade entre a conduta do provedor de acesso e determinados atos praticados por seus usuários ou por terceiros, sendo impossível ao provedor impedir a sua ocorrência. As disposições do Código de Defesa do Consumidor não autorizam a aplicação da responsabilidade objetiva ao provedor de acesso pelos atos ilícitos porventura cometidos por seus clientes, tendo em vista que apenas age como intermediário, fornecendo-lhes o acesso à Internet.[6]
Importante salientar a possibilidade de existência de situações outras que podem, sim, ensejar a incidência da responsabilidade civil sobre os provedores de acesso. Tais hipóteses repousam nos casos de desobediência a determinações judiciais, por exemplo, para auxiliar na identificação do usuário de determinado IP, autor de ilícito. Ou ainda no caso em que a ação ou omissão do provedor influi diretamente na possibilidade de identificação e punição dos infratores.
[1] 1996, p. 318 apud PEREIRA, 2001, p. 387 PEREIRA, Ricardo
Alcântara. BLUM, Renato M. S. Opice. Direito
eletrônico - a internet e os tribunais. São Paulo: Edipro, 2001, p. 387.
[2] SOUZA, Carlos Affonso Pereira; BLUM, Renato
M.S. Opice; ABRUSIO, Juliana Canha – Manual de Direito Eletrônico e Internet,
São Paulo: Aduaneiras, 2006, p. 649.
[3] MONTENEGRO, Antônio
Lindberg. A internet em suas relações
contratuais e extracontratuais. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2003,
166.
[4] SOUZA, Carlos Affonso Pereira; BLUM, Renato
M.S. Opice; ABRUSIO, Juliana Canha – Manual de Direito Eletrônico e Internet,
São Paulo: Aduaneiras, 2006, p. 647.
[5] SOUZA, Carlos Affonso Pereira; BLUM, Renato
M.S. Opice; ABRUSIO, Juliana Canha – Manual de Direito Eletrônico e Internet,
São Paulo: Aduaneiras, 2006, p. 648.
[6] LEONARDI, Marcel. Responsabilidade civil dos provedores de
serviços de Internet. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira. 2005, p. 161.
Por: Lígia Saraiva Barroso
ligiabarroso@sbarrosoadvocacia.com