22 de março de 2013

Favorecimento das microempresas e empresas de pequeno porte nas licitações diferenciadas




Introdução 


A Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, teve o objetivo de dar eficácia aos arts. 170, inciso IX e 179, ambos da Constituição da República de 1988. Dessarte, referida norma incentiva as microempresas e empresas de pequeno porte, conferindo-lhes diversos benefícios, inclusive em matéria de licitações públicas. 

Uma das principais mudanças instituídas pela referida lei são as chamadas licitações diferenciadas, que podem ser instituídas, por meio de lei, por cada ente da federação, desde que sejam seguidos os parâmetros previsto nos arts. 47 a 49, da LC nº 123/2006. 

Todavia, é preciso verificar se os benefícios decorrentes das licitações diferenciadas representam violação ao princípio da isonomia, corolário das licitações públicas (art. 3º, da Lei 8.666 de 21 de junho de 1993), consagrado no art. 37, XXI, da Constituição da República de 1988. 

Com efeito, o princípio da isonomia é tradicionalmente expresso por meio da máxima “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que eles se desigualam”. Contudo, Celso Antônio Bandeira de Mello defende, em obra específica acerca do tema, que este pode confortar tratamentos distintos para situações distintas, sempre que exista uma correlação lógica entre o fato discriminante e a diferença de tratamento.[1] Esta seria, portanto, a aplicação da vertente positiva do princípio da isonomia que pode ser traduzida como a possibilidade de haver na legislação discriminações que visem à efetivação da igualdade material. 

Desse modo, considerando-se que as microempresas e empresas de pequeno porte receberam tratamento jurídico diferenciado pelos arts. 47 a 49 da Lei Complementar n° 123/2006 em matéria de licitações públicas (diferenciadas) e que isso se justifica pelo fato de essas empresas se encontrarem em condição econômica inferior às demais pessoas jurídicas que participam dos certames públicos, o presente estudo visa, pois, a discorrer de maneira mais minuciosa acerca do real significado do princípio da isonomia, para, ao final, verificar se o tratamento diferenciado garantido às microempresas e empresas de pequeno porte nos nos arts. 47 a 49 da LC nº 123/2006 representa ou não violação ao princípio da igualdade. 


1 – Breves considerações acerca do princípio da isonomia 


O princípio da isonomia, consagrado inicialmente no art. 5º, caput, da Constituição da República, garante condições igualitárias a todos e em qualquer situação. Destarte, na busca pela proposta mais favorável, não poderia deixar a Administração Pública de garantir igualdade de condições a todos que participem do certame. É exatamente o que determina o art. 37, XXI, do Texto Constitucional: 

Art. 37: A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: 

(...) 

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. 


O conceito de isonomia que se adota é aquele que afirma a imprescindibilidade de qualquer norma tratar de forma igualitária a todos, despindo-se de privilégios ou perseguições[2]. Para que isso se efetive, de modo a garantir a igualdade material, é preciso que, em determinadas situações, haja previsão normativa de certas discriminações. 

Busca-se com o preceito isonômico “impedir favoritismos ou perseguições. É obstar agravos injustificados, vale dizer que incidam apenas sobre uma classe de pessoas em despeito de inexistir uma racionalidade apta a fundamentar uma diferenciação entre elas que seja compatível com os valores sociais aceitos no Texto Constitucional”.[3]

Assim, as discriminações eventualmente previstas em lei serão compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão-somente quando existe vínculo de correlação lógica entre a “peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses prestigiados da Constituição”.[4]

Cediço é que situações desiguais necessitam de tratamentos desiguais. É perfeitamente possível imaginar num edital de concurso público cuja vaga seja para agente penitenciário de um presídio feminino, a discriminação que permite a disputa da vaga apenas para mulheres. A maneira pela qual o respeito ao princípio da isonomia reputa-se tão facilmente verificado, no exemplo citado, é a justificativa que embasa a discriminação. Aceita-se a discriminação em função do sexo em virtude das funções exercidas pela carcereira, entre as quais se incluiu a revistas periódica das mulheres presas. 

Destarte, na prática, é por meio da justificação do fato discriminante que se verifica o respeito à igualdade. Renato Lopes Becho acertadamente preleciona que “nesse momento em que igualdades e desigualdades convivem no mesmo sistema, toda aplicação deve ser justificada”. [5]

Celso Antônio Bandeira de Mello acredita que a mera justificação não é suficiente para que se possa concluir como não violado o princípio da isonomia. O ilustre administrativista afirma que será respeitada a igualdade sempre que concorram cinco elementos. 

O primeiro deles veda que o fator discriminante atinja, de modo atual e absoluto, um só indivíduo. Assim, a norma não pode figurar nem situação atual irreproduzível por força da própria abrangência do enunciado, nem descrever situação de particularismo extremo, que denote singularização absoluta do destinatário. [6]

O segundo requisito exige que “as situações ou pessoas desequiparadas pela regra de direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer, possuam características, traços, nelas residentes, diferenciados”. [7]

Dessa forma, em relação ao segundo requisito, o princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais. Donde não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores desiguais. [8]

O terceiro elemento refere-se à necessidade de correlação lógica entre o fator discrímen e a desequiparação procedida. Desse modo, haverá isonomia, não obstante aparente desigualdade quando houver adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo. [9]

Em quarto lugar, cumpre verificar, por fim, se a norma cujo conteúdo possui algum fato discriminante é compatível com os interesses acolhidos no sistema constitucional, o que, ipso facto, leva ao último requisito, qual seja, a necessidade de que a norma em questão seja compatível com o ordenamento jurídico, considerado como um todo [10]

Verificados os cinco requisitos construídos por Celso Antônio Bandeira de Mello, pode-se aceitar determinada norma como compatível com o preceito constitucional da isonomia. 

O que se pretende aqui, portanto, é verificar se os arts. 47 a 49, da LC nº 123/2006, que instituem as licitações diferenciadas às microempresas e empresas de pequeno porte, são dispositivos compatíveis com o princípio da igualdade, consoante o conceito supra de Celso Antônio Bandeira de Mello. 

Vale ressaltar aqui que o princípio da isonomia específico da licitação em nada se difere do princípio da isonomia constitucional (art. 37, XXI). Renato Lopes Becho destaca que a igualdade exigida no art. 3º da Lei 8.666/93 refere-se à igualdade de condições de participação no certame, extraída do preceito constitucional.[11]

Isso é relevante na medida em que qualquer discriminação que vise à aplicação positiva do princípio da igualdade em certames públicos, como é o caso daquelas estabelecidas pela LC nº 123/2006, deve ter o intuito de seguir o que já foi previamente estabelecido pela Constituição da República e pela Lei 8.666/93, isto é, garantir a igualdade de condições de participação na licitação. 

Assim, a isonomia visada nos certames públicos refere-se à igualdade de oportunidade entre os licitantes, razão pela qual todos aqueles que, a princípio, estejam aptos a cumprir o futuro objeto do contrato devem participar do procedimento licitatório independentemente da natureza e características jurídicas intrínsecas das pessoas concorrentes. “Aliás, observado esse pressuposto, quanto mais ampla for a participação de pessoas de quaisquer naturezas, no procedimento licitatório, tanto melhor, pois maior é a chance de se obterem ótimas propostas para a Administração, cumprindo assim o objetivo essencial da licitação”.[12]

Certo é que, observada a igualdade de condições entre os participantes do certame restará satisfeito outro objetivo do instituto das licitações, qual seja, o maior universo possível de licitantes, o que, conseqüentemente, contribuirá para efetivar o objetivo final dos certames públicos que é a garantia da contratação da proposta mais vantajosa. 

Ter a igualdade como norteador de toda licitação significa, assim, evitar arbitrariedades, favorecimentos políticos, abusos de poder, tudo isso visando a obtenção da proposta mais vantajosa. 

Dessarte, é preciso analisar a partir desse ponto se o tratamento favorecido concedido às microempresas e empresas de pequeno porte em matéria de licitações públicas diferenciadas dos arts. 47 a 49, significam, na verdade, aplicação da vertente positiva do princípio da igualdade ou violação do referido princípio. 



2. Regime das licitações diferenciadas para Microempresas e Empresas de Pequeno Porte 


Dispõe o art. 47 da LC n. 123/2006: 




Art. 47. Nas contratações públicas da União, dos Estados e dos Municípios, poderá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica, desde que previsto e regulamentado na legislação do respectivo ente. 


A LC n. 123/2006, portanto, criou mecanismos que permitem aos entes da federação criar regimes de certames públicos simplificados e diferenciados para promover o desenvolvimento das microempresas e empresas de pequeno porte. 

Todavia, deve-se ressaltar aqui que o art. 22, inciso XXVII, da Constituição da República, confere competência privativa à União Federal para legislar acerca das normas gerais de contratação e licitação. 

Sendo assim, as licitações diferenciadas de que trata o art. 47 devem sempre obedecer às normas gerais da Lei 8.666/93, razão pela qual não poderiam os Estados ou Municípios, mediante de lei específica, criar novas modalidades de licitação, porquanto restaria violado o art. 22, XXVII, da CR/88. 

Licitações diferenciadas devem ser entendidas, portanto, como a previsão, na lei ordinária específica, de meios que tornam o procedimento licitatório mais simples, como é o caso, por exemplo, da inversão das fases do certame, como já ocorre no pregão. 

Isso posto, pontue-se que o regime das licitações diferenciadas e simplificadas é, entre os benefícios concedidos pelo novo Estatuto, aquele que mais se destina a efetivamente aplicar o art. 170, IX, da Constituição da República. 

Aqui há ponderação entre princípios: a licitação afasta-se da sua finalidade maior, a busca pela proposta mais vantajosa – expressa no art. 3º, da Lei 8.666/93, em função da exclusiva finalidade de promover o desenvolvimento da pequena empresa. Contudo, isso não significa que a Administração possa contratar proposta desvantajosa, pois isso é expressamente vedado pelo art. 49, III, da LC nº 123/2006. Apenas não contratará a proposta que, nas condições anteriores previstas na Lei 8.666/93, seria considerada a mais vantajosa entre todas as outras propostas. A proposta da pequena empresa que ficaria em segundo ou terceiro lugar, por exemplo, torna-se a proposta vencedora. 

Ao contrário do benefício da comprovação da regularidade fiscal em momento posterior e do empate ficto, que visam tão-somente o fomento das atividades das pequenas empresas, incentivando-se a sua existência e atuação no mercado das aquisições públicas, o regime das licitações diferenciadas não busca meramente beneficiar essas pessoas jurídicas, mas a realização de outros fins, como a inovação tecnológica e o desenvolvimento econômico e social das microempresas e empresas de pequeno porte. 

Destarte, não é mera concessão de favorecimentos, mas forma de se utilizar a licitação pública como instrumento apto a alcançar as finalidades propostas pelo próprio art. 47, da LC n. 123/2006. 

É por meio da licitação diferenciada, pois, que o ente da federação proporcionará a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica das pequenas empresas. 

Para tanto, imperiosa a edição de lei ordinária específica que poderá, inclusive, pormenorizar as finalidades definidas de modo genérico no art. 47.[13]



2.1 – Prazo de 1 (um) ano para edição da lei que regula as licitações diferenciadas no âmbito de cada ente federativo. 


Apesar de não haver dúvidas a respeito da imprescindibilidade da edição de lei específica pelo ente federativo que deseje aplicar o regime das licitações diferenciados, o art. 77, §1º, da LC n. 123/2006, concedeu o prazo de apenas 1 (um) ano para edição das normas necessárias para garantir o tratamento diferenciado das micro e pequenas empresas. 

Esse prazo, contudo, encontrou termo em 15 de dezembro de 2007. Sendo assim, nos termos estritos da LC nº 123/2006, os entes da federação que não elaboraram a norma específica não poderiam conceder os benefícios do art. 47 às microempresas e empresas de pequeno porte locais. 

Todavia, não se deve considerar o referido prazo como peremptório. É que do seu descumprimento não decorre nenhum prejuízo, razão pela qual não deve ser atribuído caráter sancionatório ao disposto no art. 77, §1º, da LC nº 123/2006. Com efeito, é de se considerar materialmente impossível que todos os entes da federação editem a lei específica no prazo exíguo de um ano e não seria razoável que, ultrapassado esse prazo, fiquem a União, os Estados ou os Municípios impedidos de auferir os benefícios concedidos pela LC nº 123/2006. Assim, a única conseqüência do descumprimento do referido prazo é que o ente da federação que não expediu a norma específica fica impossibilitado de usufruir, até a edição da lei, dos benefícios do art. 47. 


2.2 – Requisitos para as licitações diferenciadas 


Além da necessidade de legislação específica, é preciso também, para que seja adotada licitação diferenciada, que esse certame seja norteado à realização de uma das três das finalidades do art. 47. 

O primeiro fim a ser realizado por meio da licitação diferenciada é a promoção do desenvolvimento econômico e social. Busca-se, por meio dessa finalidade, a eliminação das hipossuficiências regionais. Dessa forma, o benefício é concedido a microempresas e empresas de pequeno porte sediadas numa determinada localidade. 

Escusa-se pontuar que Marçal Justen Filho[14] considera que somente a Administração direta, isto é, União, Estados e Municípios poderiam usufruir das licitações diferenciadas, excluídas aí, portanto, suas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista do sistema previsto nos arts. 47 a 49, da LC nº 123/2006. 

É que com as licitações diferenciadas, o Poder Público arcaria com a onerosidade mais elevada das propostas das microempresas e empresas de pequeno porte de modo a permitir o desenvolvimento econômico dessas pessoas jurídicas e somente a administração direta, única competente para arrecadar tributos e conseqüentemente redistribuir riquezas em vista dos critérios de capacidade contributiva, é que isso será possível. “Pagar mais pelos serviços e bens fornecidos por ME e EPP será uma política pública a ser realizada em vista da riqueza arrecadada dos titulares de maior capacidade contributiva”.[15]

Entretanto, não há essa restrição expressa na Lei. A princípio, a LC nº 123/2006 é aplicável à Administração Pública, aí incluídos os entes da administração direta e indireta. Sendo assim, não há que falar em restrição da aplicação do art. 47 somente à administração direta, mormente com a fundamentação de inexistência de arrecadação de tributos pela administração indireta. 

É que nos arts. 149 e 195, caput e incisos I, II, III e IV, todos da Constituição da República, há previsão da figura das contribuições especiais ou parafiscais. As contribuições especiais relacionadas à seguridade social são arrecadadas diretamente pelo INSS, autarquia federal. Já uma das contribuições de “interesses das categorias profissionais”, de que trata o art. 149, da CR/88, a contribuição sindical, é arrecadada diretamente pelos sindicatos, entidades de direito privado, que sequer fazem parte da Administração Pública, direta ou indireta. 

Considerando, portanto, que a própria Constituição da República atribui capacidade tributária ativa tanto à Administração direta, quando à indireta, o regime das licitações diferenciadas dos arts. 47 a 49, da LC nº 123/2006, pode ser utilizado por quaisquer dos entes da Administração Pública, mediante expedição de lei específica. 

Ultrapassado esse ponto, cumpre salientar que a aplicação do regime de licitações diferenciadas torna imprescindível a justificação da concessão do favorecimento, o que deve ocorrer na fase interna da licitação. 

A fase interna da licitação é o procedimento administrativo que antecede a publicação do ato convocatório. Trata-se do conjunto de atos e atividades de caráter preparatório a cargo do órgão administrativo que promoverá o certame.[16] Nela são definidos todos os critérios objetivos que nortearão o certame. Essa, portanto, é a fase em que devem ser discriminados os fatores econômicos e regionais que demonstrem a hipossuficiência das micro e pequeno empresas locais, de modo a justificar a licitação pública voltada exclusivamente para elas. 


2.3 – Espécies de licitações diferenciadas 


A forma pela qual o art. 47 efetiva-se é encontrada no art. 48, da Lei Complementar n. 123/2006. Assim, pode-se realizar licitação em que o universo de licitantes restringe-se às microempresas e empresas de pequeno porte. A subcontratação obrigatória, outrossim, também é forma de implementar a licitação diferenciada e, por fim, é possível adotar a hipótese do fracionamento obrigatório, em que se reserva uma cota do objeto licitado, não superior a 20% para a pequena empresa. 

Pontue-se que a primeira forma de certame diferenciado prevista no art. 48, a realização de licitação voltada exclusivamente para microempresas e empresas de pequeno porte, deve seguir procedimento detalhadamente motivado. É que, como visto, para que uma norma discriminadora não signifique violação à isonomia, é necessário que o favorecimento não atinja, de modo atual e absoluto, um só indivíduo. Assim, a norma não pode descrever situação de particularismo extremo, que denote singularização absoluta do destinatário. [17]

Promover licitação exclusivamente para pequenas empresas pode ser forma de singularização absoluta do destinatário, mormente nas localidades em que não houver número expressivo de pequenas empresas, vez que o favorecimento significará inviabilidade da própria competição. 

Exatamente por isso que o art. 49, II, da LC nº 123/2006 expressamente proíbe a adoção das licitações diferenciadas nos locais onde não houver o mínimo de 3 (três) empresas enquadradas como microempresas ou empresas de pequeno porte. 

Assim, somente quando numa determinada localidade existirem mais de três microempresas e empresas de pequeno porte necessitando de fomento às suas atividades e ao seu desenvolvimento, poder-se-á realizar licitação exclusiva, pois, desse modo garante-se a competição e realiza-se o objetivo do art. 47. Mais uma vez, fica demonstrada a importância da fase interna da licitação no presente caso, porquanto toda a licitude do certame ficará embasada no procedimento administrativo anterior ao ato convocatório. 

Em todos os casos do art. 48, a redução do universo de licitantes, pois, encontra arrimo na necessidade de desenvolvimento das empresas locais e, como conseqüência, da própria região economicamente menos desenvolvida. 

Desse modo, Marçal Justen Filho considera constitucional a restrição ao universo de licitantes pela contratação de pequenas empresas de determinada região em razão dos critérios econômicos e geográficos, uma vez que se mostra compatível não só com o princípio da isonomia, como também com a própria forma de organização de Estado adotada pelo Brasil, qual seja, a federativa.[18]

É que o art. 47 é claro ao permitir a licitação diferenciada para ampliar determinada política pública, o que leva à conclusão lógica de que a política pública já deve ter sido previamente implementada. Fá-lo-á por meio de lei material e formal. 

Para melhor esclarecer a questão, vale tomar, como exemplo, o fornecimento de merenda escolar na rede pública de determinado Município. Estaria, nesse caso, autorizada a licitação diferenciada, destinada às microempresas e empresas de pequeno porte para melhoria da qualidade nutricional da merenda escolar. 

Assim, o favorecimento das pequenas empresas no exemplo em tela deve obedecer estritamente às regras de pré-existência de lei formal e material, implementando a política pública e a necessidade de ampliação da eficiência dessa meta da Administração. 

O último fim visado pelo art. 47 para as licitações diferenciadas são as inovações tecnológicas. Busca-se, aqui, contratar microempresas e empresas de pequeno porte para criar novos instrumentos que auxiliem o cotidiano do Poder Público. 

O conceito da inovação tecnológica deve ser traçado na fase interna da licitação, para que os licitantes possam, ao entrar no certame, ter a certeza do que objetivamente almeja o Poder Público com a concorrência. 

Demais disso, Marçal Justen Filho leciona que para adotar esse regime licitatório será necessário demonstrar que as grandes empresas não têm interesses econômicos para atuar de forma exclusiva no desenvolvimento das soluções buscadas pela Administração Pública.[19]

Segundo o autor, somente nos casos em que não houver interesses econômicos relevantes imediatos em jogo, de modo a interessar as grandes empresas, é que as pequenas empresas terão condições de promover a inovação tecnológica buscada pelo Poder Público. Isso se deve à suposição de que o poderio econômico das grandes empresas é capaz de financiar a criação de inovações tecnológicas impossíveis de serem criadas, num mesmo espaço de tempo, pelas pequenas empresas. 

Todavia, não se pode pressupor que uma pequena empresa seja incapaz de criar tecnologias mais avançadas do que as grandes empresas. Certo é que ferramentas tecnológicas importantíssimas foram criadas, muitas vezes, pelo trabalho de poucas pessoas, como é o caso, por exemplo, do “Google”, cuja criação decorre do projeto de doutorado dos estudantes Larry Page e Sergey Brin da Universidade de Stanford, em 1996.[20]

Sendo assim, não se pode determinar como exigência das licitações que busquem inovações tecnológicas a ausência de interesses econômicos por parte das grandes empresas. Considerando, portanto, que se almeja sempre numa licitação ampliar ao máximo o universo de licitantes, nas licitações cujo objeto são inovações tecnológicas devem ser aplicados os demais favorecimentos previstos na LC nº 123/2006 para as pequenas empresas, de modo a incentivar a competição de maneira igualitária com os demais licitantes. 

Qualquer que seja a forma adotada, prevista no art. 47, não pode a Administração Pública olvidar-se de demonstrar a instrumentalidade da licitação para produção de um dos três resultados exigidos no art. 47, da LC n. 123/2006. 



2.4. - Hipóteses em que não se pode aplicar o regime das licitações diferenciadas 



O regime de licitações diferenciadas não pode ser aplicado nas hipóteses do art. 49 da LC nº 123/2006: 

Art. 49. Não se aplica o disposto nos arts. 47 e 48 desta Lei Complementar quando: 

I – os critérios de tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não forem expressamente previstos no instrumento convocatório; 

II – não houver um mínimo de 3 (três) fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório; 

III – o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não for vantajoso para a administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado; 

IV – a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. 


É que o objetivo do favorecimento em tela é promover o desenvolvimento das pequenas empresas, mas sem representar prejuízos irreparáveis ou contratações inúteis ao Poder Público. 

Desse modo, a contratação pela Administração apenas se justifica se efetivamente a contratação da pequena empresa conseguir promover as finalidades do art. 47, sem deixar de angariar bens e serviços necessários à finalidade coletiva. 

A condição de inferioridade das pequenas empresas não pode jamais servir de justificativa para promoção de certames sem qualquer utilidade para a Administração, caso contrário, estar-se-ia diante de claro desvio de finalidade do instituto constitucionalmente previsto, devendo o gestor público ser penalizado nos termos da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8429/92). 

Conclusão 

Diante do exposto, é possível perceber que o tratamento diferenciado exposto alhures representa o modo pelo qual, por meio do instituto das licitações, a Lei Complementar n. 123/2006 visa a proporcionar o desenvolvimento das microempresas e empresas de pequeno porte. Desse modo, conclui-se que as discriminações do art. 47 nada mais são do que a tentativa de colocar em patamar de igualdade as pequenas e as grandes empresas. 

A máxima “tratar desigualmente os desiguais” encontra guarida especial nos dispositivos ora analisados, porquanto trazem maneiras de efetivar o crescimento econômico das microempresas e empresas de pequeno porte. 

A finalidade do art. 47, portanto, justifica o tratamento desigual, demonstrando a pertinência lógica entre os elementos diferenciados e a disparidade das disciplinas estabelecidas em vista deles. 

Observadas as regras traçadas no art. 48 da referida lei, havendo procedimento devidamente motivado e não incorrendo nas proibições do art. 49 da LC nº 123/2006, percebe-se que as licitações diferenciadas representam importante mecanismo que efetiva a aplicação da vertente positiva do princípio da isonomia. 

É que a regra das licitações diferenciadas destina-se não a uma pessoa, mas a categoria de pessoas, quais sejam, a todas aquelas que, nos termos do art. 3º, da LC n. 123/2006, se enquadrarem no conceito de microempresa ou empresa de pequeno porte. O critério discriminador é o mesmo dos demais favorecimentos, residente na hipossuficiência dessas pessoas jurídicas. O critério discriminador visa às próprias finalidades previstas no art. 47: desenvolvimento regional, ampliação de políticas públicas ou inovações tecnológicas, daí a pertinência lógica na diferenciação imposta pelo dispositivo em tela. Tudo isso se encontra em perfeita consonância com o ordenamento jurídico e com a Constituição Federal, precipuamente com o art. 170, IX, da CR/88. 


Publicado por: Marcela Jabôr

marcelajabor@gmail.com



Referências 

ARAÚJO, Florivaldo Dutra de. Participação de cooperativas em Licitações: a posição do Tribunal de Contas de Minas Gerais. Revista do Curso de Direito do Centro Universitário Izabela Hendrix, Nova Lima, V. 4, N.º 4, , Outubro/ 2004. 

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. 

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Compostura Jurídica do Princípio da Igualdade. In: A&C Revista de Direito Administrativo e Constitucional, Belo Horizonte, nº 11, jan/fev/mar 2003. 

BECHO. Renato Lopes. A Participação de cooperativas nas Licitações da Administração Pública. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, abr/jun, 2001. 

JUSTEN FILHO. Marçal. O Estatuto da Microempresa e as Licitações Públicas. 2ª ed. São Paulo: Dialética, 2008. 

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 15ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. 

Fonte: Internet http:// www.janelanaweb.com/digitais/google.html 






[1] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 35. 


[2] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 10. 




[3] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Compostura Jurídica do Princípio da Igualdade. In: A&C Revista de Direito Administrativo e Constitucional, Belo Horizonte, nº 11, jan/fev/mar 2003, p. 27. 




[4] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.17. 




[5] BECHO. Renato Lopes. A Participação de cooperativas nas Licitações da Administração Pública. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, abr/jun, 2001, p. 56. 




[6] BANDEIRA DE MELLO. Op cit., p. 25. 




[7] Ibidem, p. 41. 




[8] Ibidem, p.35. 


[9] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.35. 




[10] Op cit., p.45. 




[11] BECHO. Renato Lopes. A Participação de cooperativas nas Licitações da Administração Pública. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, abr/jun, 2001, p. 60. 




[12] ARAÚJO, Florivaldo Dutra de. Participação de cooperativas em Licitações: a posição do Tribunal de Contas de Minas Gerais. Revista do Curso de Direito do Centro Universitário Izabela Hendrix, Nova Lima, V. 4, N.º 4, , Outubro/ 2004, p. 63-64. 


[13] JUSTEN FILHO. Marçal. O Estatuto da Microempresa e as Licitações Públicas. 2ª ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 108. 




[14] JUSTEN FILHO. Marçal. O Estatuto da Microempresa e as Licitações Públicas. 2ª ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 128. 




[15] Op. Cit, p. 128 


[16] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 15ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 252. 




[17] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 25. 


[18] JUSTEN FILHO. Marçal. O Estatuto da Microempresa e as Licitações Públicas. 2ª ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 111. 




[19] JUSTEN FILHO. Marçal. O Estatuto da Microempresa e as Licitações Públicas. 2ª ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 114. 


[20] Fonte: Internet http:// www.janelanaweb.com/digitais/google.html